Artigo – Perspectivas e desafios para o setor de apoio marítimo para 2023
O mercado de embarcações de apoio marítimo no Brasil é bastante dinâmico e se mostrou resiliente ao longo dos últimos anos, mesmo impactado pela crise no setor e os inúmeros desafios trazidos pela pandemia da Covid-19.
O Brasil está entre os dez maiores produtores mundiais de petróleo e gás natural (P&G) com produção predominantemente em águas profundas (cerca de 93%). Disso decorre a inafastável necessidade de utilização de apoio marítimo de forma contínua. Além disso, outros setores como o agronegócio, a mineração, granéis líquidos também utilizam o apoio marítimo como modal em suas atividades logísticas.
Segundo o Sinaval(1) as perspectivas para os próximos anos incluem não apenas uma expansão do número de embarcações comissionadas, mas, adicionalmente, de utilização de navios de maior porte ou capacidade operacional. Não é por outra razão que as empresas do apoio marítimo já iniciaram a renovação e expansão de frota e passaram a investir em novas áreas, a exemplo de suporte para usinas eólicas offshore e a própria cabotagem.
Uma das maiores empresas do setor, a Wilson Sons divulgou um crescimento de 3% no volume total de manobras realizadas por sua divisão de rebocadores no último ano. O diretor-executivo de rebocadores da empresa, Márcio Castro, constatou que 2021 foi um ano positivo para a empresa devido ao acréscimo do volume de operações regulares e, com mais ênfase, de operações especiais notadamente para o setor de petróleo e gás. Ele destaca ainda o aquecimento da movimentação de combustíveis para geração de energia, como o gás natural liquefeito (GNL).
Não obstante, o primeiro desafio do setor para 2023 é lidar com as possíveis mudanças nas políticas econômicas do governo eleito. O dinamismo do setor de embarcações de apoio no Brasil depende, entre outros, da fixação da política de precificação do petróleo e seus derivados, da continuidade dos programas de licitação realizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e interesse dos investidores em arrematar os blocos de exploração que vierem a ser ofertados. Esses três aspectos e alguns outros dependem diretamente da política econômica e regulatória que vier a ser adotada daqui em diante.
Os autores deste artigo elencaram aqui alguns pontos que consideram sensíveis e devem ser observados pelo setor nas diversas áreas do direito que se correlacionam direta ou indiretamente com a atividade de apoio marítimo.
No campo tributário, deve ser acompanhado pelos players do setor a contenda envolvendo o ICMS sobre os combustíveis, que colocam estados e demais entes federativos em oposição à União, nesse aspecto, refletirão diretamente nos preços praticados.
Os governos estaduais consideram que houve excessos nas Leis Complementares 192/2022 e 194/2022 que afetam suas receitas e defendem a competência exclusiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para estabelecer alíquotas e formas de tributação do ICMS sobre os combustíveis. Os estados propõem a compensação imediata das perdas de arrecadação com os combustíveis ocorridas desde julho de 2022 com as parcelas a vencer das dívidas estaduais com a União e, também, que sejam compensadas as perdas pela redução tributária sobre gás natural, energia elétrica, comunicações e transportes decorrentes das edições das leis complementares.
A questão é objeto da ADI 7.191 e da ADPF 984 que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Ambas as ações de relatoria do ministro Gilmar Mendes. O desenrolar da discussão vem sendo acompanhado de perto pelo mercado, eis que novas diretrizes estabelecidas em relação ao ICMS devem gerar impacto direto no preço dos combustíveis, na demanda interna e, corolário lógico, na expansão das atividades de exploração e apoio.
Cumpre destacar, ainda, outros fatos da mesma forma relevantes dentro do cenário atual, sendo o primeiro deles a promulgação da Lei 14.301/2022 (BR do Mar), que objetiva estimular a cabotagem no Brasil, e o julgamento da ADI 2.779 pelo STF que questiona a constitucionalidade da cobrança do ICMS sobre a prestação de serviços e de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros e cargas por via marítima, executado no mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva, abrangendo o “afretamento” para transporte aquaviário e a navegação de apoio marítimo logístico às unidades instaladas nas águas territoriais para perfuração e extração de petróleo.
A sedimentação da questão da incidência — ou não — do ICMS nas atividades de apoio marítimo pelo Supremo Tribunal Federal, que deverá ocorrer no ano de 2023, e em conjunto com a nova lei (BR do Mar) que tem o objetivo de regular e fomentar a cabotagem (o que inclui a atividade de apoio marítimo), tem o potencial de criar segurança jurídica ao setor e fomentar o seu crescimento com regras claras sobre benefícios tributários e contratos de afretamento de embarcações de bandeira estrangeira.
O Estado-governo vem se preocupando com a diversificação dos meios de transporte de carga e, nesse prisma, o transporte de cabotagem se destaca como sendo uma opção cuja viabilidade torna a proposta do Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem atraente às empresas.
Ainda em relação a cabotagem, seu potencial de crescimento é inconteste, não só pelo incentivo legal decorrente de normatização recente trazido com a BR do Mar. Some -se a isso a capacidade de escoamento de commodities por meio marítimo que tem o condão de reduzir os custos de transporte em 62%.
Já na seara trabalhista, vale destacar a possível — ainda que pouco provável — revogação ou revisão substancial da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/17). A despeito da instabilidade que isso pode gerar no mercado como um todo, em relação ao setor de apoio marítimo o impacto deve ser tímido, já que dificilmente será alterado o status privilegiado da negociação coletiva como principal forma de autorregulamentação entre os atores sociais. Eventual alteração desse novo postulado representaria um baque nos sindicatos que estão na base de sustentação do governo do PT, além de uma quase afronta a decisão proferida pelo STF (tema 1.406) que reconheceu serem “constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
De acordo com a colunista do O Globo Geralda Doca(2), reconhecendo a enorme instabilidade jurídica que poderia ser provocada pela integral revogação da denominada Reforma Trabalhista, a equipe de transição do Presidente eleito declarou ter pretensão de mudar apenas pontos específicos da Reforma, a exemplo da regulamentação do trabalho intermitente, a ultratividade das normas coletivas e a possibilidade de que sejam firmados acordos diretamente entre empregado e empregador. Tais alterações, ainda que venham a ocorrer, não afetariam de forma significativa a indústria do apoio marítimo.
No campo ambiental, ressalta-se a perspectiva de crescimento da mineração submarina (offshore) e energias renováveis offshore, principalmente usinas eólicas e fotovoltaicas em alto-mar, atividades que dependerão de apoio contínuo do setor de apoio marítimo para suas atividades.
As atividades de mineração no Brasil estão, originalmente, condicionadas ao Código de Mineração estabelecido pelo Decreto – Lei nº 227 de 1967, com as modificações introduzidas pela Lei nº 9.314 de 1996, e Portarias subsequentes. Sob a ótica ambiental, elas estão condicionadas a instrumentos de controle do poder público (EIA, RIMA e LA – regulado pelo Decreto nº 99.274 de 1990).
Tanto a legislação mineral como a ambiental não fazem diferenciações no que tange à pesquisa e lavra mineral em terra emersa, no Mar Territorial, Plataforma Continental e Zona Econômica Exclusiva, sendo aplicáveis a modalidade até que seja criada lei específica que regule a matéria.
As empresas do setor deverão, ainda, estar atentos às regulamentações que intentem minimizar atividades potencialmente poluidores e adequar suas ações e treinamento de pessoal evitando-se sanções.
De igual forma, as mudanças na área de desestatização de acordo com a política a ser adotada no novo governo deverão impactar o ramo de produção de combustíveis e mineração. Nos últimos anos observamos que as políticas públicas foram em sua maioria voltadas para um maior protagonismo do setor privado no campo da produção de petróleo e atividades correlatas, mas a tendência é que o novo governo imprima sua marca no setor, a ver.
Essas perspectivas de mudanças refletirão no direito regulatório e na relação das empresas com as agências e demais órgãos fiscalizatórios (ANTAQ, Marinha do Brasil, ANPP, etc.).
As promessas de investimentos em infraestrutura, principalmente no setor marítimo, podem trazer boas perspectivas para as empresas que atuam no setor, mas dependem do Congresso e do Executivo para sua criação e implementação, respectivamente, e do Poder Judiciário para trazer segurança jurídica as partes.
Para os sócios do MKJ advogados, o ano de 2023 será importante para explorar as novas oportunidades de negócios criadas, neste sentido, e independentemente de eventuais obstáculos que surgirem, acreditamos que a indústria do apoio marítimo deverá ter um grande crescimento. A criação de novos marcos legais para a exploração de recursos naturais do mar (minerais) em conjunto com o arcabouço jurídico já existente no país, se revelam como novas fronteiras de negócios.
Paulo Victor Pinheiro Alves Habib, Paulo Mario Reis Medeiros e Daiana Kappaun
Fonte: Portos e Navios
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