
Ainda não é hora de recorrer à Lei de Reciprocidade, avalia jurista
Pedro Calmon Neto, especialista em Direito Comercial e Marítimo, considera legislação um instrumento de defesa dos interesses brasileiros, mas alerta para risco de efeitos prejudiciais para empresários brasileiros que dependem de insumos oriundos dos EUA e para consumidores no Brasil
O advogado Pedro Calmon Neto, especialista em Direito Marítimo, avalia como positiva a aprovação e a regulamentação da Lei de Reciprocidade, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. Calmon Neto, que é e presidente pelo Brasil do Instituto Ibero-americano de Direito Marítimo, considera a legislação um instrumento de defesa dos interesses do Brasil diante de cobranças de tarifas sobre produtos brasileiros sem justificativas técnicas ou econômicas.
“Do ponto de vista legal, creio que o governo se posiciona bem ao criar a Lei de Reciprocidades”, afirmou o advogado à Portos e Navios. Segundo a avaliação de Calmon Neto, a nova legislação oferece ao Brasil ferramenta própria para definir tarifas específicas para parceiros econômicos, sejam países ou blocos, quando considerar que os interesses do país estão sendo prejudicadas por mediadas que fogem às regras do comércio mundial.
Para ele, por ser uma lei própria, o governo brasileiro, caso decida recorrer a ela, não estaria sujeito a sanções de organismos reguladores multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). “A partir de que temos uma lei interna, o Brasil não depende da OMC”, assegurou. Mas, mesmo diante da ameaça do presidente do Estados Unidos, Donald Trump, de impor, a partir de 1º de agosto, tarifas de importação de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil, ele acha que ainda não é momento de recorrer à Lei de Reciprocidades.
“Poderíamos estar impondo tarifas, mas não sei se isso seria vantajoso para o Brasil”, ponderou. Ele argumenta que aumentar, como retaliação, as tarifas cobradas dos produtos americanos importados pelo Brasil poderia trazer efeitos prejudiciais para empresários brasileiros que dependem de insumos oriundos dos Estados Unidos e para os consumidores brasileiros, que seriam impactados pelo repasse para os preços dos impostos majorados. “Não precisamos prejudicar ninguém”, disse.
Calmon Neto argumenta que, antes de pensar em impor retaliações, o Brasil deve buscar a negociação diplomática para, num primeiro momento, adiar a entrada em vigor das tarifas anunciadas por Trump e, em seguida, buscar acordos que evitem a cobrança de taxas que prejudiquem empresas e consumidores tanto do Brasil como dos Estados Unidos. “Negociar é a melhor opção. Tenho convicção de que Trump vai adiar as tarifas”, acredita.
Nesse sentido, ele elogia a decisão do governo brasileiro de criar uma Comissão Interministerial, liderada pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, com a participação de empresários brasileiros para estudar o assunto e definir os argumentos brasileiros nas tratativas com os americanos.
Ele acredita que a escolha do vice-presidente como interlocutor do lado brasileiro foi boa opção do governo brasileiro. “Alckmin é pessoa correta para essa negociação. Foi governador de São Paulo, o estado mais rico e mais industrializado e que seria o mais prejudicado pelas tarifas, além de ser desenvolvimentista e sempre ter apoiado a produção nacional”.
Segundo o advogado, foi correta também a primeira reação do governo após o anúncio das cobranças das tarifas de 50%, ainda mais por causa de seu viés político, para reafirmar a soberania nacional. “A gente não pode aceitar que se atente contra a nossa soberania”, disse. Calmon elogia ainda a decisão de, depois da primeira resposta, o Brasil arrefecer no embate político e buscar caminhos para a negociação, como indica a criação do Comitê Interministerial.
Além disso, o advogado afirmou que o país tem, no Itamaraty e nos diplomatas brasileiros, outros instrumentos de peso para levar a discussão para a questão comercial, fora dos questionamentos políticos feitos pelo presidente americano sobre os poderes institucionais brasileiros. “Tenho convicção de que o Itamaraty é muito hábil para estabelecer uma negociação”, comentou.
Calmon sustenta sua convicção no adiamento da cobrança das tarifas não apenas na decisão do governo e dos empresários brasileiros de buscarem negociação com os americanos para mostrar que a majoração delas não respeita critérios técnicos e não se sustenta em argumentos corretos. Para ele, a reação já demonstrada por importadores americanos de produtos brasileiros e empresários dos Estados Unidos que dependem de insumos fabricados no Brasil para sua produção será fundamental.
O advogado lembra que a imposição de tarifas de importação elevadas sobre os produtos brasileiros afetará diretamente empresas e consumidores americanos e terá reflexo tanto na produção quanto nos preços no mercado interno dos Estados Unidos, sendo fator de risco inclusive para reflexos inflacionários, agravando a situação que vem sendo mostrada pelos índices de elevação de preços naquele país. Ele prevê que o passo seguinte serão as manifestações de consumidores quando os preços mais elevados em consequência de as taxas de importação chegarem aos pontos de venda e que isso pode forçar o governo americano a recuar e negociar.
Brasileiros prejudicados podem pedir ressarcimento
Calmon Neto argumenta que os cancelamentos de contratos, inclusive de produtos que já estavam em portos brasileiros à espera de embarque para os Estados, abrem possibilidade de que os exportadores brasileiros prejudicados possam acionar seus parceiros comerciais na Justiça, seja brasileira ou americana, de acordo com o foro estabelecido nos acordos, para cobrar ressarcimento dos custos com transporte, armazenagem e perdas. “Todo contrato comercial estabelece normas para cobrar esse tipo de compensação por quem não teve responsabilidade pela quebra de contrato”, informou.
Além disso, mesmo que os importadores americanos aleguem que foram surpreendidos com o anúncio das tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros a partir de agosto e que os bens embarcados no Brasil depois dele não chegariam ao destino antes da vigência das novas taxas por causa do tempo de viagem, em torno de 20 dias, eles podem ser contestados. Ainda mais porque não podem alegar ter sido surpreendido, já que desde abril o presidente americano vem usando tarifas como forma de pressão econômica e política sobre parceiros comerciais.
“Não há tanta surpresa na imposição de tarifas que possa ser usada como excludente de responsabilidade”, disse. Ele alertou, no entanto, que os produtores brasileiros devem ponderar as vantagens e riscos de adotarem ações pedindo ressarcimento, ao lembrar que isso pode acarretar reflexos negativos em negociações futuras. “Brigar com seu cliente pode não ser uma boa briga”, afirmou Calmon.
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