
Novos petroleiros da Transpetro marcarão retomada de grandes construções no setor naval
A indústria naval brasileira começa a colher os frutos das apostas que vêm sendo feitas para retomada das atividades de construção em estaleiros que ficaram desmobilizados ou com grande ociosidade por mais de 10 anos. Os principais sinais de demanda continuam vindo do sistema Petrobras, com projetos de novos barcos de apoio marítimo e com o início da construção dos quatro primeiros navios do programa de renovação da frota da Transpetro.
A empresa assinou com a Ecovix e o grupo Mac Laren, em fevereiro, o contrato para os quatro navios classe Handy. A expectativa é que as obras no Estaleiro Rio Grande (RS) comecem ainda no segundo semestre de 2025.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) avalia que os próximos passos da retomada das atividades ligadas à indústria naval sejam no sentido do aumento progressivo da ocupação de todos os estaleiros. Após um período de baixa atividade, de 2015 a 2023, a avaliação do sindicato é que alguns deles já tiveram suas primeiras necessidades atendidas, mas ainda há estaleiros que deverão iniciar sua participação no atendimento às demandas já anunciadas pela Petrobras e pela Transpetro.
Para o sindicato, a abertura de novos empreendimentos, como a exploração do pré-sal da Margem Equatorial — que está em discussão sobre licenciamento —, contribuirá para uma maior demanda por ativos, principalmente embarcações de apoio marítimo, em que o Brasil se especializou e é competitivo mundialmente. “Com providências adequadas do governo, cremos que a indústria naval crescerá e atingirá patamares não atingidos nos ciclos anteriores”, acredita o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha.
Rocha lembra os períodos críticos nos quais a indústria precisou se reinventar e a superação dos desafios que levaram o país a se tornar um player importante no mercado de construções offshore. “Nesta retomada, alguns aspectos estão se repetindo, como é natural, levando em conta que tivemos um longo período de baixa atividade, muito inferior à capacidade instalada dos estaleiros”, avalia Rocha.
Ele lembra que, ao longo de sete décadas, houve períodos críticos em que o Sinaval e seus associados tiveram que se desdobrar para cumprir exigências e analisar características específicas de projetos discutidos com os clientes e com o governo. Um desses momentos foi dos Planos de Construção Naval, principalmente o primeiro e o segundo planos, entre 1973 e 1975. “Os estaleiros tinham se preparado e capacitado nos anos anteriores, mas a execução dos contratos desses ‘PCNs’ revelou-se uma experiência muito além das estimativas dos estaleiros quanto à capacidade de entrega, nos prazos, das obras contratadas”, lembra Rocha.
Houve, na época, uma grande necessidade de formação e treinamento de trabalhadores. O número de empregos, que era de um total nacional de 19,2 mil empregos em 1972, saltou para 23 mil em 1975. E continuou crescendo nos anos seguintes até 1979, quando atingiu o máximo no período: 39 mil, o dobro do existente em 1972, em sete anos, segundo o Sinaval.
As necessidades e os custos dessa mobilização estavam acima da capacidade de formação da indústria, exigindo esforços de entidades como o Senai, bem como o aumento da utilização das ‘escolinhas’ internas dos estaleiros. Empresas que apenas haviam construído navios de pequeno porte, como rebocadores e barcaças, de um momento para outro assumiram contratos de navios de grande porte — alguns até mesmo para exportação. Rocha diz que os desafios naquela época ocorreram tanto no desenvolvimento da Engenharia quanto nos aspectos comerciais, exigidos, principalmente, para a aquisição de equipamentos vitais não construídos no Brasil, um considerável esforço na formação de especialistas em comércio exterior.
Rocha pondera que, naquele período, a indústria naval não dispunha de equipamentos modernos de computação como os que hoje existem e os cálculos de Engenharia e projeto ocupavam um grande contingente de técnicos de alto nível, muitos deles formados e aperfeiçoados nos próprios estaleiros. O Sinaval e seus associados estiveram envolvidos em grande parte das discussões e negociações decorrentes dessas carências, que afetavam toda a indústria nacional como um todo.
Outros períodos críticos ocorreram, como a construção, a partir de 2003, de ativos para exploração e produção de petróleo e gás natural, quando os estaleiros foram chamados a fornecer às empresas brasileiras de navegação (EBNs) embarcações de apoio marítimo, incluindo unidades muito especializados, como os PLSVs (lançamento de dutos submersos), os grandes petroleiros e os navios gaseiros, além das próprias plataformas.
Para o presidente do Sinaval, os estaleiros estiveram mais fortes no período de 2003 a 2014, quando o governo brasileiro estimulou a instalação de novos estaleiros de grande porte e atualizados em relação ao que de mais avançado havia no mundo, bem como a modernização dos já existentes. Ele enfatiza que os estaleiros deram, com seus investimentos, grande contribuição aos esforços de aumento da produção nacional de petróleo e gás natural para tornar o Brasil autossuficiente em petróleo. “O Brasil tornou-se, nesse período, muito competitivo na construção de navios de apoio marítimo, chegando a ocupar a segunda colocação no mundo, atrás apenas da Noruega”, destaca Rocha.
O Sinaval enxerga os navios de apoio marítimo e as unidades de produção de petróleo como os ativos mais complexos já fabricados e entregues por estaleiros nacionais. Algumas plataformas foram construídas integralmente no país e outras tiveram uma grande participação dos estaleiros brasileiros na construção de módulos. Alguns navios de apoio marítimo têm sistemas de alta complexidade, como é o caso dos PLSVs.
Outra perspectiva no radar é que se o mercado de desmantelamento e reciclagem de navios e estruturas marítimas se consolidar será possível um alívio nos períodos de baixa atividade dos estaleiros que se habilitarem a estas atividades. O Sinaval vislumbra ainda que, futuramente, a construção de ativos para o mercado de energia eólica offshore também representará uma atividade importante para a consolidação da indústria naval e offshore brasileira.
Na visão do Sinaval, o governo que tomou posse em janeiro de 2023 [Luiz Inácio Lula da Silva-PT] mostrou-se, desde o início, extremamente sensível aos princípios defendidos pelo segmento industrial e vem trabalhando para remover barreiras que dificultam ou impedem o desenvolvimento desta indústria, aperfeiçoando a legislação existente e produzindo novas leis.
O sindicato também considera que o Fundo da Marinha Mercante (FMM) vem aprovando com rapidez os principais projetos apresentados. “Essas e outras iniciativas nos dão motivos de acreditar que, se houver continuidade nesse cenário, poderemos viver um novo ciclo de progresso e consolidar a indústria naval e offshore, recuperando o papel importante que ela tem na economia nacional, tanto na questão da geração de empregos quanto na distribuição de renda, além do desenvolvimento tecnológico”, analisa o presidente do Sinaval.
Para a entidade, as ameaças existem, dada a incerteza quanto à política internacional que afeta a economia das nações e pode repercutir em todos os países, inclusive no Brasil. Nos aspectos técnicos que dizem respeito à indústria naval, o sindicato não identifica ameaças propriamente ditas, apenas a preocupação quanto às demandas futuras por mares mais limpos, a ‘economia verde’ e a transição energética, que decorre da progressiva substituição do petróleo por energias renováveis, menos poluidoras.
Rocha acrescenta que o Sinaval tem estado atento às oportunidades que podem surgir. E vem acompanhando as discussões nacionais e internacionais quanto à transição energética, como as questões referentes a motores de propulsão movidos a combustíveis alternativos e o hidrogênio verde. “Também acompanhamos a evolução dos projetos de produção de energia eólica no mar. Sempre que possível, envolvemos nessas discussões nossos associados e, também, nossos parceiros da Abeemar [Associação Brasileira das Empresas da Economia do Mar] e seus associados”, ressalta Rocha.
O presidente do Sinaval diz que é necessário o setor ficar atento às discussões nos órgãos internacionais, como a Organização Marítima Internacional (IMO), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para ele, as questões técnicas serão resolvidas no devido tempo. “A preocupação maior sempre será a geopolítica, com suas ameaças de rompimento da paz mundial, o que pode acarretar dificuldades imensas a todos os países. A resolução dessa preocupação, infelizmente, não está ao alcance de nossos esforços”, pondera Rocha.
O Sinaval é a favor de novas parcerias entre empresas brasileiras e grupos estrangeiros para troca de experiências e capacitação, a fim de angariar novos projetos no Brasil. “Essas parcerias deram bons resultados no passado, nos vários ciclos de nossa indústria, e cremos que serão importantes neste novo ciclo de atividades. O Sinaval tem participado de reuniões e seminários com especialistas estrangeiros, no Brasil e no exterior, e essa troca de informações e experiências tem sido muito construtiva e estimulante”, destaca Rocha.
No começo de julho, cinco estaleiros nacionais — EBR (RS), Rio Grande (RS), Mauá (RJ), Enseada (BA) e Atlântico Sul (PE) — firmaram acordos com alguns dos principais estaleiros chineses — COOEC, CSSC, Cosco e CIMC. Os memorandos de entendimento entre as empresas, que têm como objetivo o desenvolvimento de parcerias tecnológicas e comerciais, foram assinados durante o Fórum Estratégico para a Indústria Naval Brasil-China, no Rio de Janeiro (RJ), onde ocorreu o Encontro dos BRICS.
O evento foi um desdobramento da visita de Estado do presidente Lula à China, em maio. Petrobras e Transpetro participam do fórum para apresentar as demandas por novas embarcações e plataformas no próximo quinquênio. A holding e sua subsidiária apresentaram as demandas por novas embarcações e plataformas já previstas no Plano de Negócios 2025-2029.
Durante uma semana, os representantes desses grupos da China visitaram as plantas industriais das empresas brasileiras, a fim de alinhar interesses mútuos para possíveis parcerias futuras. Durante o fórum no Rio foram apresentadas a política de conteúdo local, o Pacote de Incentivos aos Investimentos na Indústria Nacional (PDIC) e o funcionamento do FMM.
A assinatura dos acordos de parceria entre os estaleiros chineses e brasileiros ocorreu no momento em que a Petrobras e a Transpetro retomam os investimentos no segmento naval e offshore, apoiadas pelo Programa de Renovação e Ampliação da Frota do Sistema Petrobras. O presidente da Transpetro, Sergio Bacci, considera que a assinatura dos documentos entre os estaleiros dos dois países reflete como a indústria naval brasileira está retomando suas atividades e o potencial para trabalhar com um horizonte de demandas perenes.
Ele avalia que o programa de renovação e ampliação da frota do sistema Petrobras assegura ao setor um planejamento de médio e longo prazo. “A possibilidade de realizar parcerias com os estaleiros chineses, que estão entre os mais desenvolvidos do mundo, permite que a indústria naval brasileira acesse novas tecnologias e, possivelmente, até mesmo novas encomendas, que podem ser compartilhadas com os chineses”, afirma Bacci, que acompanhou as reuniões entre os estaleiros.
O presidente da Transpetro diz ainda que as políticas mais protecionistas norte-americanas, adotadas no governo Donald Trump, são oportunidades de outras parcerias estratégicas pelo mundo. “Esse diálogo também se insere no novo contexto global em que os Estados Unidos estão priorizando a sua indústria local e abrindo espaços para novas parcerias comerciais estratégicas entre outros países, como a China e o Brasil”, acrescenta Bacci.
A diretora de engenharia, tecnologia e inovação da Petrobras, Renata Baruzzi, concorda que a retomada da capacidade produtiva da indústria naval brasileira é estratégica para o sistema Petrobras, além de poder ampliar as parcerias com o restante do mundo. Ela diz que a Petrobras é a maior demandante dos estaleiros brasileiros e uma das maiores contratantes da indústria naval e offshore mundial.
“Ter um mercado fornecedor nacional fortalecido é fundamental para a implementação eficaz dos nossos projetos. Apoiar o desenvolvimento de parcerias para a indústria nacional é um dos objetivos do negócio da Petrobras. Sem dúvida, o Brasil sai ganhando com esse diálogo entre os estaleiros dos dois países”, ressalta Renata.
Lançado em junho de 2024, o Programa de Renovação e Ampliação da Frota do Sistema Petrobras já tem programada a contratação de 52 novas embarcações. A iniciativa da Petrobras e da Transpetro vai gerar, nessa etapa, investimentos de até R$ 29 bilhões, com expectativa de 50 mil novos postos de trabalho.
A Petrobras afirma que o programa visa reduzir a exposição da companhia aos afretamentos e dar maior flexibilidade e eficiência para as operações logísticas de movimentação de cargas. O programa prevê a aquisição de navios para cabotagem na costa brasileira, incluindo embarcações da classe Handy, gaseiros e de médio porte (MR1), que integrarão a frota da Transpetro, além de barcos de apoio para a Petrobras.
Fonte: Portos e Navios por https://pcfa.com.br/